quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Carne de Onça




A comida com certeza é uma das culturas mais disseminadas de toda nossa história, ponto primordial para nossa evolução, perpetrando conhecimento adquirido ao longo dos séculos. Mas assim como a matemática, filosofia, biologia e tantas outras artes foram aprimoradas, o alimento também foi. Ele nunca teve fronteiras, tradições arraigadas de povos dos mais remotos lugares viajaram por todo globo e se misturaram a outras sociedades, a outras civilizações.

E isso é algo muito legal de se observar, pois a comida define parte de quem somos, está presente em nossa cultura e nos identifica. Modéstia a parte, já rodei muito pelo Brasil, conheço e ainda vou conhecer muitas coisas fabulosas em nossa terra, mas apesar disso nunca encontrei, em lugar algum, a carne de onça. O mais próximo que cheguei foi o Steak Tartare, que ainda assim tem lá suas diferenças entre um e o outro prato. Por isso considero essa uma iguaria tipicamente paranaense, para não dizer curitibana!


Mas como já disse, a comida já viajou muito, se modifica, se adapta a paladares e a outros ingredientes. Ela é versátil em sua essência, sem querer ofender os italianos tradicionalistas. Por isso é fácil observar semelhanças em diversos pratos, que assim como o Steak Tartare, a carne de onça se assemelha muito ao Kibe.


Em minhas investigações descobri que o Mett ou Hackepeter, prato típico alemão, fomentou a origem da carne de onça1. Esse prato germânico também é feito à base de carne crua e temperos fortes, mas se usa a carne suína ao invés da bovina. Por questões sanitárias, a carne de onça adaptou-se ao paladar brasileiro, usando a carne bovina e não usando a gema de ovo crua sobre o prato em sua finalização.


Existem muitas lendas urbanas em torno desta iguaria para explicar como surgiu seu nome, dentre elas, há duas bem famosas. A primeira é simples, porém bem plausível, pois como vai alho e cebola crua na receita, o indivíduo que se deleita leva de brinde um bafo de onça, por isso se daria o nome de carne de onça.

A outra já remonta até mesmo à criação deste prato por um bar curitibano, que era administrado por um casal de imigrantes alemães. Do balcão, sempre que alguém pedia a carne, o marido gritava o pedido - Solta uma carne, onça! - E então a referência carinhosa à esposa, acabou tornando-se o nome do prato.

O surgimento do nome possui histórias bem engraçadas, mas dentre elas, há uma história viva, onde o herdeiro da receita reivindica sua criação à autoria de seu pai. João José Werzbitzki, filho do seu Onha (Leonardo Werzbitizki), afirma que seu pai criou a receita e a servia na década de 50 em seu primeiro restaurante, o Embaixador2. Seu Onha, obrigado pela criação, o senhor é um gênio!

Mas aí entra uma acirrada discussão que divide paladares e aficionados pela querida onça. Pois conforme conta o seu filho, João José Werzbitzki, a carne de onça legitimamente curitibana não deve ser mexida e revirada com os temperos e muito menos acrescentado alho, além de que deve ser montada sob a broa e em camadas dispostas dos ingredientes. E ai meus amigos, reina uma ferrenha guerra sobre regras e originalidade da receita.

Mas é muito comum ver diversas maneiras de se servir e comer a carne de onça, particularmente existem lugares que são um show à parte em Curitiba, mas isso é um assunto para outro post. Quanto à receita, muitas foram passadas de geração para geração e acredito que não existe um modo certo de se fazer. Como costumo dizer, a comida é democrática e aceita diversas releituras. E nessa onda de releitura, vou repassar a minha com um toque especial.


Carne de Onça com cebola roxa

Ingredientes:

300g de carne moída
1 dose de conhaque
pimenta do reino
mostarda escura
1 dente de alho
azeite de oliva
1 cebola roxa
cebolinha
Pão preto
Sal

Modo de preparo:

Em uma vasilha coloque a carne moída e a dose de conhaque - a idéia do conhaque é para amaciar e esterilizar a carne - Depois, junte a pimenta e o sal a gosto, misture bem e reserve. Corte a cebola em brunoise, amasse o alho e pique a cebolinha, misture tudo com a carne e vá regando com azeite de oliva. Disponha num prato raso e sirva acompanhado de fatias do pão preto e mostarda escura.


Agora passo a bola para o meu amigo Adriano do Loucos por Ales.

Como é de se esperar, e como manda a boa etiqueta, diante do convite do amigo Diocleciano do Parva Volupta, trago para esse jantar a cerveja!

Em se tratando de carne de onça, a primeira coisa que me vem à cabeça são as cervejas de trigo, harmonização que já experimentei e garanto que dá certo veja aqui.

No entanto, aqui uma cerveja de trigo tradicional alemã poderia desaparecer diante das experimentações dessa receita em específico, já que ele caprichou na cebola roxa.

Diante dessa nova “concepção” sugeri duas cervejas de trigo mais escuras e em especial uma, com alguns temperinhos característicos da escola belga (witbier).

As escolhidas foram a Dum Grand Cru e a Erdinger Pikantus.


A Grand Cru da cervejaria curitibana Dum é o que eles chamam de double witbier com potentes 8,8% ABV (esquenta mesmo). Na composição, essa belezinha leva trigo, aveia, cascas de laranja fresca e coentro.

Imagine tudo isso acompanhando essa bela carne de onça, cujo sabor delicado fica enriquecido com a laranja e coentro da cerveja. Mas não se engane, a Gran Cru irá se fazer presente mesmo diante da mostarda preta e cebolas roxas.


Agora, se você quer seguir uma linha mais tradicional, ou preferir algo mais leve (não muito mais leve, 7,3% ABV) para um dia quente a sugestão é a Erdinger Pikantus.

Essa é uma Dunkler Weizenbock, com refermentação na garrafa, que promete também não sumir diante dos temperos do prato, com a vantagem de ter uma maior carbonatação que ajuda a limpar o paladar a cada garfada, amenizando o impacto da cebola roxa.

Agora é com vocês, experimentem, dêem novas sugestões, inovem e, acima de tudo, se divirtam e tenham um momento agradável bebendo e comendo qualidade.

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